terça-feira, 28 de junho de 2011

Prisioneiros de Nós Próprios

Chega a ser engraçado.
As descobertas da ciência, ao mesmo tempo em que carregam a rápida superação do que era considerado verdade até há pouco tempo, mostram que as leis do universo conhecido são mais simples do que parecem.
Veja só: as naves norte-americanas Voyager I e II, depois de bisbilhotarem as vizinhanças espaciais por décadas a fio, foram direcionadas para fora do sistema solar. A viagem rumo ao espaço sideral parecia ser moleza para os artefatos que se despediram da Terra no já longínquo 1977.
Mas ao chegarem na fronteira territorial da influência de nosso sol, ao invés de uma gravidade fraquinha e decrescente e uma tabuleta dizendo “boa viagem e volte sempre”, eis que os discos voadores terráqueos se depararam com gigantescas bolhas magnéticas para atravessar (com cerca de 160 milhões de km de largura e direito pólos magnéticos), o que vem tornando a viagem bem turbulenta. Será que as maquininhas espaciais vão se desmantelar na travessia, como acontece com os carros nas esburacadas rodovias brasileiras? Isso saberemos nas próximas semanas ou meses.


Ilustração da Fronteira do Sistema Solar . Fonte:AFP
Mas o que impressiona é que o sistema solar se mostra como um grande ovo fechado, onde a entrada ou saída dele tem barreiras de proteção notadamente resistentes.
Em termos de sair ou entrar na Terra, a história não é muito diferente. Para algo não virar cinzas entrando em nossa atmosfera, o objeto deve entrar em determinado ângulo, além de ter massa e resistência suficiente para resistir a temperaturas extremas.  Se não fosse por essas proteções naturais, nossa casinha planetária seria uma peneira como a lua.  Para sair daqui, as dificuldades são igualmente grandes. Tanto que nenhuma empresa privada teve, até o momento, sucesso em lançar artefatos além de cento e pouco quilômetros de altura.

Agora, reduzindo ainda mais nossa escala de observação, mentalize um simples ovo. Para você, fica fácil quebrá-lo e fazer um omelete. Mas imagine se o objeto de seu apetite estivesse fertilizado.
O pinto em desenvolvimento lá dentro só sairia após estar completamente formado e com força suficiente para romper a casca. Por outro lado, para os predadores naturais do ovo, furar sua casca também não é das coisas mais óbvias e corriqueiras.
Com o ser humano a coisa é parecida. A proteção intra-uterina – segundo os cientistas – apresenta-se como  um confortável mundinho para o bebê em formação. A natureza criou inúmeros mecanismos de defesa para o feto, e somente forças extremas (proporcionalmente falando) conseguem atentar contra a vida em desenvolvimento.
Porém, na hora de nascer, apesar da resistência e reconhecido pavor das futuras crianças, pouquíssimas coisas impedem a inevitabilidade da nova vida.
Em tudo isso, parece que há um padrão de comportamento próximo do coincidente.
Vejamos:
- tanto a fronteira do sistema solar, como a da terra e do ovo oferecem importantes resistências à entrada de corpos estranhos e saída de seus “abrigados”;
- mas sair dessas cascas protetoras parece ser algo inevitável para a evolução dos seres vivos. O feto que não nasce morre por inanição; se o ser humano não sair da terra para encontrar novas fontes de sustentação, nossa espécie também será extinta pelo esgotamento dos recursos do planeta. Isso também deve valer para a exploração extra-solar daqui a séculos, conforme dizem os próprios cientistas especialistas no assunto;
- e, finalmente, apesar do trauma e stress físico e mental, o rompimento  dos três níveis da fronteira espacial em foco (no caso, o ovo, a terra e o sistema solar) sempre estão acompanhados de notáveis elevações do grau de consciência dos que fazem tal travessia com sucesso, seja no âmbito individual, ou mesmo em termos de civilização.

Fazendo uma rápida linha do tempo, isso também é verdade com a história dos povos: os avanços egípcios na arte e engenharia; dos gregos na filosofia; dos romanos na política; dos ibéricos na navegação; e do mundo globalizado na ciência aplicada podem ser considerados fronteiras atravessadas às custas de muito stress, medo e preconceitos e que foram amplamente recompensadas com novos estágios de consciência.
Imagina se os egípcios não tivessem arriscado a lógica da época ao construir as pirâmides? E se Sócrates, Platão e Aristóteles fossem internados em manicômios gregos (se isso existisse naquele tempo)? E se os romanos não tivessem dado bola para os discursos de seus políticos? Ou se o ovo de Colombo só tivesse serventia na frigideira? E se o acelerador de partículas europeu fosse impedido de funcionar pelo risco de criar um buraco negro aqui na Terra?
Caso essas situações – alvo de incredulidade e preconceitos nos seus devidos tempos – acontecessem, poderíamos – nós humanos - ainda  estar disputando carcaças de animais com hienas nas savanas africanas...
Pois bem, puxando essa linha de raciocínio para o campo individual, será que figurativamente tais momentos de temor e superação das próprias fronteiras nada mais é do que a síntese da história da vida e evolução de cada ser humano?
Veja só: o nenê rompe com seu próprio eixo de gravidade ao começar a caminhar; se transforma em criança ao iniciar a falar; se conecta à civilização ao dominar a leitura e meios de comunicação; vira adolescente ao começar a sentir tesão, enfrentando medos no primeiro beijo e na entrada da vida sexual; rompe para a vida adulta quando decide seu caminho profissional e sai de casa; amadurece na medida em que tem seus filhos e realização pessoal; e assim por diante.
Cada uma dessas fases é um prato cheio para psiquiatras, psicólogos e terapeutas de todos os tipos, pois envolvem desafios fortes e não raramente traumáticos para a superação das barreiras que se impõem.
No final, depois de passada a crise da transmutação, normalmente, tudo fica bem. Mas não medindo palavras, o momento do ápice da crise da transformação é completamente intenso de emoções e medos.
Entretanto, afora alguns Peter Pans saudosistas, ninguém costuma reclamar por ter evoluído. Porém, existe um custo para isso: quanto mais conscientes somos do universo ao qual pertencemos, mais responsáveis somos pela própria sobrevivência e de nossos dependentes.
Isso, como indicamos antes, também se aplica à evolução social. Os povos que realmente prosperaram foram aqueles que tiveram sucesso em transcender do estágio civilizatório anterior.
E esse tipo de introspecção é especialmente importante para o Brasil de hoje. A despeito dos grandes avanços que temos em relação à tolerância de costumes, ainda estamos engatinhando em outras frentes que efetivamente são alavancadoras da prosperidade.
Apesar de indicadores ainda contraditórios, nosso país está entrando em mais uma de suas cíclicas crises.
E crise - como mostramos antes - serve para superar o passado que começa a ficar sem sentido e construir o futuro, mesmo que isso envolva a quebra de cascas aparentemente protetoras, mas que na verdade impedem a evolução das consciências e prosperidade material, a qual é essencial para passos maiores rumo ao que não se conhece.
O que acontece no Brasil pouco tem a ver com a dinâmica global. Sim, estamos ligados a ela, mas o que pesa mesmo é o nosso histórico interno de nos recusarmos a evoluir em determinados aspectos essenciais, mas que evidentemente tem seus custos e traumas.
Por exemplo:
- Um sistema educacional sério e progressista envolveria a quebra de muitos tabus, inclusive protegidos pela Constituição;
- O fim dos bolsões de criminalidade não ocorrerá sem enfrentamento direto e impiedoso, o que fere a Constituição;
- Um Estado voltado ao cidadão (e não o contrário) só será possível a partir do desmantelamento de boa parte do aparato burocrático da atualidade e exigência de padrões de qualidade, o que vai de encontro à Constituição.
Falar mais do que isso é enfurecer corporações e despertar ódios e paixões políticas. Eu fora!
Mas o fato é que o funcionamento do sistema solar; da terra e da própria gênese da mais simples vida, mostra que a ampliação das percepções (ou evolução) ocorre através da superação das barreiras mais desafiadoras.
Quem enxergou isso e enfrentou de verdade, venceu! Aumentou seu grau de liberdade e ficou menos prisioneiro de si próprio.
Talvez os próximos meses – com ou sem turbulências – sejam especialmente inspiradores para se pensar nesse sentido.

Eduardo S. Starosta

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