sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Nova Revolução dos Bichos

  
Você sabe como o Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéri) virou Best Seller? Foi fácil: bastou que ele se tornasse leitura obrigatória para todas as candidatas a miss ao redor do mundo. Que mercado, hein?  
Mas teve um tempo – lá pela época da Guerra Fria – que as bonitinhas chegaram a pegar um pouco mais pesado, citando nas entrevistas, como livro favorito, a Revolução dos Bichos, do Grande Mestre George Orwell.
Para quem não lembra ou não leu, o livro narra a epopéia de um bando de bichos fofinhos que expulsam os humanos da fazenda e, sob a coordenação dos porquinhos, se organizam por lá, dentro de uma ótica socialista. Com o tempo, as castas do poder vão se formando, até que os suínos tomam conta de tudo e acabam se confundindo fisicamente com os humanos, sendo tão déspotas quanto os próprios no tempo em que mandavam no sítio. As caricaturas de Stalin e Trotsky são fantásticas.
Mas o que Orwell provavelmente queria expressar na história parodiando a Revolução Russa é que as intenções ideológicas sempre acabam sucumbindo às necessidades práticas de gerir um Estado e se manter no poder. E tal paródia se aplica perfeitamente à vida política brasileira dos últimos anos.
Vejamos: em 2003, quando Lula assumiu a presidência da república, o PT, aparentemente, estava retomando o projeto de um Estado socialista no Brasil, abortado, segundo vários historiadores, com o golpe militar de 1964.
O sonho, porém, durou pouco por dois fatores principais. O primeiro foi que a governabilidade de um país tão grande e complexo como o Brasil só foi obtida através de uma política de alianças completamente desfocada dos princípios ideológicos que norteavam os sonhos do PT. Expoentes históricos da ditadura, como José Sarney e Delfin Neto assumiam importância na base de apoio do então novo governo.
 Em segundo lugar, a realidade da prática da vida acabou engavetando os projetos de gestão mais sonhados pela esquerda: a re-estatizaçao só não se mostrou mais impraticável do que enforcar o último empresário nas tripas do último padre (palavra de ordem bem popular da  clandestinidade nos anos 70 e 80); rachar com o capitalismo internacional, expulsando as multinacionais e o FMI do território nacional, limitar os lucros do sistema financeiro, dentre outras propostas eleitorais históricas, entraram para o campo da desconversa.
Então, ao invés de mudanças no rumo do socialista, os gestores públicos do primeiro e segundo governo petista optaram por conter os arroubos mais românticos e limitar suas ações em programas de assistência  (como o Bolsa Família idealizado por Cristóvão Buarque e implementado pelo ex-ministro do FHC, Paulo Renato) e manter movimentos sociais, como o MST, sob controle, através de mesadas.
Azar de quem não gostou, mas os que prometiam ser grandes agentes da mudança na direção de um Brasil mais justo e fraterno acabaram virando gente como a gente. Para Orwell, os bichos fofinhos da Fazenda Brasil estariam virando gente também. Foi a forma de se manter no poder.
Só um detalhe: isso não é, necessariamente, algo ruim.
Afinal, o ser humano é, acima de tudo, ser humano.
Apesar de termos uma mente aparentemente privilegiada em relação aos outros animais, também somos frutos de uma natureza que nos fez a espécie dominante no planeta. E esse ponto é, talvez, a principal fonte dos equívocos das ideologias de massa, que tentam enquadrar as pessoas em parâmetros ideais.
Os jovens universitários da esquerda dos anos 60, 70 e parte dos 80 foram treinados a pensar a sua vida dentro de uma perspectiva política. Mas quando as palavras dos livros vão sendo substituídas pela prática no dia-a-dia, as facetas reprimidas da cobiça, da necessidade de dominar, ou mesmo de fazer o mínimo para obter o máximo acabam aparecendo de forma implacável.

Está na cara que os cinqüentões e sessentões que antigamente carregavam as faixas do "Abaixo a Ditadura" nas passeatas reprimidas na base do cassetete, viram seu sonho socialista ruir poucos meses após a posse de Lula na presidência. A política de alianças feita para viabilizar o PT no poder acabou garantindo os direitos de propriedade e a própria condução executiva no dia-a-dia levou seus gestores a defender as teses que tanto combateram nos tempos de oposição, como o equilíbrio fiscal, por exemplo.
Mas o mais interessante mesmo foi a rápida absorção da nova elite no poder dos conceitos corporativos que já predominavam nos partidos menores, tradicionais participantes de alianças em troca de cargos públicos.
Nessa ótica, o mensalão foi apenas a ponta de um gigantesco iceberg. A divisão dos ministérios e estatais em feudos de grupos de interesses especializados em se apropriar de recursos públicos foi o grande câncer gerado no governo Lula. Não que o fisiologismo não acontecesse antes.
O problema foi que a nova elite do poder (o PT) dividiu seu status e aprendeu com a experiente elite anterior, que soube migrar de lado logo após a era FHC (PMDB,PP, PTB, PR, dentre outros). Daí, foi demasiada rapinagem para pouca carcaça.
A sorte do último presidente foi que suas políticas pródigas - tanto em termos de assistência social como de inchamento da máquina pública - tiveram temporária sustentabilidade por conta de um contexto internacional amplamente favorável até o final de 2008, além de outros aspectos internos, como a expansão do uso do crédito para pessoas físicas, até o ano passado.
Lamentavelmente, o prazo de validade da gestão festiva encerrou bem no começo do governo da presidente Dilma. Para que ela se elegesse, a política de alianças das eleições anteriores foi mantida. O problema, é que as finanças públicas finalmente ficaram em pandarecos, deixando o cobertor muito curto para abrigar fisiologistas em excesso.
Esse é o ingrediente básico para ser detonada uma crise de governabilidade. E a nossa presidente, mesmo com fama de mulher braba essencialmente técnica, não aparenta ser burra ou ingênua. Sim, ela não tem o carisma e a genialidade política de Lula. Mas em compensação, vem dando alguns sinais interessantes de que compreende sua posição histórica e os riscos que corre de cair no ridículo, caso não busque uma nova construção política do modo de governar e equipe de governo. O caso do ministro dos transportes e sua trupe é apenas mais um de vários exemplos que confirma o que acabo de afirmar.
Vamos analisar alguns números interessantes. A tabela abaixo mostra a execução orçamentária do Tesouro Nacional das despesas com pessoal, outras despesas correntes e investimentos.
- Observe, em primeiro lugar, que os valores orçados para o pagamento dos funcionários públicos e outras despesas correntes (inclui consultorias) são muito maiores do que o destinado aos investimentos, que é o ponto que mais interessa a sociedade.
- Mesmo com a citada desvantagem de dimensão, a rubrica dos investimentos cresceu apenas 12% entre 2009 e o previsto para 2011, enquanto os gastos com pessoal aumentaram 18% e as outras despesas correntes foram majoradas em 21%.
- Finalmente, veja que os dois primeiros itens de orçamento normalmente são executados em patamares próximos à plenitude, enquanto os coitadinhos dos investimentos, além de terem menor dotação, não são executados de forma a aproveitar os recursos disponíveis (em 2009 apenas 56% do orçado na rubrica foi efetivamente gasto; em 2010 – por força das eleições – o percentual chegou a 64,5%).
- Os dados de 2011 são parciais, mas mostram – em essência – a mesma relação: os gastos com pessoal e despesas correntes são cumpridos mais dentro do cronograma planejado do que os investimentos.

Despesa Pública Federal: Evolução por Item Selecionado (R$ milhões)
Ano

2009
2010
2011 (até 16/06)
Pessoal
Orçado
169.164
184.807
199.762
Gasto
166.387
183.366
67.279
Gasto/Orçado
98,36%
99,22%
33,68%
Outras Despesas Correntes
Orçado
562.026
616.489
679.728
Gasto
510.897
580.129
266.562
Gasto/Orçado
90,90%
94,10%
39,22%
 Investimentos
Orçado
57.068
69.239
63.845
Gasto
32.151
44.681
14.924
Gasto/Orçado
56,34%
64,53%
23,38%
Fonte: Contas Abertas; Elaboração: ESTPLAN


Moral da história: o governo federal não sabe gastar com eficácia no que realmente interessa ao eleitor: os investimentos (além dos serviços públicos que são aquela tristeza). Por outro lado, o inchamento da folha de pessoal e das outras despesas correntes deve estar sendo causada, em parte, pela libertinagem dos desmandos dos partidos políticos em busca de salários, honorários e serviços para seus pares.
Mesmo nos investimentos, os cronogramas atrasados nas execuções de obras vêm sendo acompanhados por desvios de dinheiro, como recentemente a Revista Veja comprovou no âmbito do Ministério dos Transportes.
Pode ser meio esdrúxulo, mas esse leque de situações acaba refletindo o padrão de imaturidade das relações políticas brasileiras dos dias atuais.
E se a Dilma continuar a conviver com a turma que o Lula montou para ela, nossa Patroa estará lascada.
Em tese, a solução para o problema seria mudar a política de alianças, buscando parceiros com maior proximidade de pensamento, conhecimento da gestão pública e densidade representativa no parlamento.
Insistindo um pouquinho nessa tecla, ao voltar aos olhos para a efetiva consolidação do quadro partidário atual, na Constituinte de 1988, tivemos a oportunidade de observar que o principal parceiro do PT nas votações era nada mais, nada menos, do que o PSDB.
E como é que as duas agremiações habitam hoje pólos antagônicos do debate político brasileiro? A resposta é fácil: questão de ego partidário. Quando o FHC soube aproveitar o sucesso do Plano Real, isso tirou o Lula da presidência por 8 anos. Daí, tanto tempo na fila de espera, acabou cristalizando uma rivalidade das agremiações do tipo Corinthians x Palmeiras.
Mas no frigir dos ovos, o PSDB é um partido dominado por intelectuais sem apelo popular, mas com conhecimento técnico de gestão pública; enquanto o PT (a cúpula e várias tendências) é um partido dominado por intelectuais com apelo popular, mas sem grande conhecimento técnico de gestão pública. Ambos os partidos se dizem sociais-democratas e ainda têm quadros de qualidade não contaminados por práticas corruptas (é lógico que os dois partidos também abrigam potenciais presidiários).
Aparentemente, por mais indigesta que essa aproximação possa parecer pelos apaixonados por legenda, ela não é completamente impossível.
O e-mail de Feliz Aniversário que a Dilma enviou para o FHC é um texto muito bem pensado e estratégico. E repetindo, se a Presidente manter a atual política de alianças partidárias, ela estará lascada.
Voltamos, então, ao epílogo do livro de Orwell: os porquinhos fofinhos estavam virando gente e as pessoas pareciam cada vez mais com porquinhos. E DEIXEM O LENINISMO PARA O PSOL!
Pensando bem, talvez sejamos todos essência da mesma porcaria mesmo!
Até Breve

Nenhum comentário:

Postar um comentário