quinta-feira, 28 de julho de 2011

Nova Classe Média x Velha Classe Média

Imagino que os milhões (hi,hi,hi) que estão lendo esse texto sejam, na sua maioria, pessoas com renda familiar acima de R$ 5.200 mil mensais e que tenham um histórico cultural e padrão de consumo já herdado dos pais, ou repassado aos filhos e netos.
Falo de profissionais liberais, pequenos e médios empresários, cientistas, servidores públicos e executivos ou técnicos de médias ou grandes corporações empresariais, além de alguns desocupados, é claro. Provavelmente essas pessoas estudaram em escolas particulares e freqüentaram (ou estão freqüentando) as melhores universidades do Brasil.
Para essa turma, que faz parte da tradicional classe média, tenho uma má notícia: nos últimos 10 anos, em média, a renda média real do grupo cresceu 10% (descontada a inflação), enquanto os seus principais ícones de consumo aumentaram bem mais que isso no mesmo período. O filé mignon teve alta de 59%; comer fora de casa, 25%; pedágio 21%; ensino privado de primeiro grau, 15,5% e de segundo grau 17,5%.
Mesmo desconsiderando essa perda de poder aquisitivo em segmentos específicos, deve ser duro para os membros desse grupo social averiguar que sua riqueza na última década aumentou, em média, frustrantes 0,96% ao ano. Tudo bem, a classe média tradicional foi parcialmente compensada por viagens internacionais mais baratas e eletroeletrônicos acessíveis por conta da valorização do Real.
Mas por outro lado, esses dominadores da elite intelectual brasileira, além de prosperarem muito lentamente estão, a cada ano, perdendo terreno em termos de hegemonia cultural, o que acaba repercutindo no padrão nacional de consumo.
Antes dos hábitos, porém, o que define a classe média é o dinheiro. Mas também há outros indicadores importantes, uma vez que os grupos humanos homogêneos têm a mania de se delimitarem em territórios. Os ricos, médios e pobres, nas cidades, concentram-se em bairros próprios e interagem apenas em algumas poucas intersecções da vida - no ambiente de trabalho ou nos locais dedicados ao consumo. Apenas os moradores de rua e indigentes desrespeitam tais fronteiras e acabam pagando caro por isso.
Ao nível dos municípios também é possível identificar predominâncias de renda através de uma rápida análise de salário dos empregos formais. Veja só, em termos nacionais, a massa salarial aumentou 216% na década passada (entre 2000 e 2009), sem descontar a inflação do período. Das principais capitais do país – bastiões tradicionais da classe média -  apenas Brasília (ops!), Goiânia, Manaus e Vitória registraram resultados acima desse patamar. As tradicionais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba e Porto Alegre ficaram devendo em termos de evolução da remuneração total dos trabalhadores formais.
Claro que essas metrópoles ainda conservam seu glamour e poder de consumo. Em 2009 o salário médio do brasileiro foi de R$ 1.588. Para os paulistanos, esse valor chegou a R$ 2.185; para os cariocas R$ 2.131; porto-alegrenses R$ 2.113; curitibanos R$ 1.564. Mas por outro lado, a renda média dos trabalhadores dessas cidades na década passada cresceu, respectivamente, 70%; 99%; 82%; e 84%. Esses percentuais, com exceção do Rio de Janeiro, ficam aquém do desejável se comparados com a evolução da média nacional no mesmo período de 93%.
Então, onde realmente ocorreram ganhos importantes de renda? A resposta é meio óbvia. Nos últimos tempos, com a alta do Real detonando com a competitividade da maior parte da indústria tradicional, o que tem prosperado é o agronegócio intensivo (além do setor financeiro que, entretanto, distribui pouca renda direta). Nesse ponto, quem tem e processa açúcar, frango, gado e soja está ganhando mais renda do que a maior parte dos outros segmentos produtivos da economia.
Talvez tal quadro de liderança na formação de riqueza não seja exatamente o que se esperava do Brasil e suas ambições de se consolidar como grande potência industrial e tecnológica do mundo. Mas a verdade está na cara.
Por outro lado, seria errado dizer que o progresso do agronegócio seja um mal para o país. Claro que o problema não está no que é certo; mas sim no que está errado. Mas esse é um debate mais velho do que andar para a frente...
O fato é que a tradicional classe média brasileira, moradora dos principais centros do país e consumidora metida a sofisticada está perdendo espaço para os emergentes do interior do país e do subúrbio; gente de hábitos aparentemente mais simples, mas de práticas do dia a dia de maior pragmatismo na busca de resultados econômicos.
E nessa dinâmica, parece que o Brasil vai mudando seu foco de predominância cultural, saindo da “europeização”, ainda herança dos tempos de colônia, para algo mais próximo ao que se observa no interior dos EUA, de onde importamos a cultura e a moda country.
Veja só: na música, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Discos, dos 20 álbuns mais vendidos em 2009, 6 são de motivos religiosos (quatro do Padre Fábio de Melo e um de Aline Barros); 8 de música caipira/sertaneja (destaque para Victor e Léo com quatro títulos e Zezé de Camargo e Luciano com três); 4 internacionais; 1 de coletâneas; e também apenas um de MPB, restrito ao popular Roberto Carlos.
Ou seja, na melhor das hipóteses, apenas 25% da nata do mercado fonográfico foi direcionado para a tradicional classe média (os quatro internacionais e parte das vendas de Roberto Carlos). O restante foi para os emergentes. Os tradicionais Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e até a geração dos roqueiros ficou chupando o dedo no que se refere às vendas de suas obras. Sim, eles lotam os teatros mais luxuosos do país... mas os gospels e sertanejos abarrotam estádios e grandes eventos.
Em outras áreas de lazer e negócios isso também está ocorrendo na direção de novos padrões. Quem emerge economicamente, naturalmente vai saciar sua ânsia por quantidades, para depois, em uma segunda fase, buscar sofisticação. Então, é comum observar os restaurantes de buffet livre e rodízios tomando espaço dos antigos “a La Carte”; shoppings predominantemente sendo construídos nas periferias metropolitanas e cidades de porte médio (menos de 500 mil habitantes), com mix de lojas mais focado no consumo popular. Por fim, o próprio cinema brasileiro abandonou seu viés existencialista para se focar no entretenimento.
Enfim, se as aparências enganam ou não, realmente não sei; mas elas mostram o surgimento de uma nova classe média no Brasil que vem dando menos importância para a sofisticação e formalismos de idéias, em favor de uma prática de vida mais focada em resultados objetivos, seja no âmbito dos negócios, ou mesmo em termos de buscas de saciedades pessoais.
Isso vai se perpetuar no futuro? Pode ser. Mas tomara que o modelo do agronegócio não entre em crise. Caso isso acontecer, todos sentirão saudades dos tempos antigos.

Eduardo S. Starosta

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