Dê uma olhada na foto abaixo, publicada originalmente
na revista Piauí. Esqueça por alguns instantes que as figuras fotografadas são,
respectivamente, a presidente brasileira e o chefe de estado norte-americano.
Tem-se, então, a nítida impressão de um homem comum
olhando apetitosamente para uma mulher também comum, a qual, sentindo o assédio
fica com aquela cara de "ai, eu não sou dessas, mas vamos ver no que vai
dar...".
Voltando aos fatos, a imagem em questão foi flagrada
no encontro oficial dos dois líderes por ocasião da missão oficial do governo
brasileiro aos EUA.
Formalmente, de acordo com a avaliação da maioria da
imprensa, o sucesso da viagem foi apenas modesto. Obama não se mostrou
aparentemente muito sensível às críticas de nossa patroa sobre a política
cambial norte-americana e muito menos a respeito da velha, frustrada,
insistente e prejudicial ambição brasileira de ter assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU.
Como destaque, então, ficou a trapalhada do ministro
Mercadante em anunciar uma filial da universidade MIT aqui no Brasil, o que foi
pronta e veementemente desmentido pela própria instituição de ensino.
Mas nesses encontros entre estadistas, sempre há o clássico momento das conversas
íntimas a portas fechadas. Sem tentar pensar nas possibilidades mais picantes
de tal encontro (relembrando o olhar de cobiça do Obama), quando os presidentes
ficam a sós, sem platéia para aplaudir ou vaiar, eles costumam ser mais
sinceros a respeito de suas preocupações e - dentro das convergências - acertam os
passos futuros do relacionamento entre os países nos bastidores.
Em outras palavras, são nessas conversas veladas que
são tomadas as diretrizes das grandes decisões. E nesse momento, não posso
deixar de perguntar: quais seriam as temáticas mais importantes que Dilma
Rousseff e Barack Obama tratariam longe dos holofotes e das bases políticas
mais intransigentes?
Aposto que um dos temas mais inspiradores foi as
decorrências práticas e estruturais da crise financeira global.
O fato é que dentro de um mundo dividido entre
predadores do comércio internacional pela via cambial (Índia, China, Vietnã e
outros) e regiões que estão se fechando em seu próprio protecionismo, como a
União Européia - apesar das aparências - Brasil e EUA ficaram de fora da elite
dos protagonistas das ações da economia global.
Para os dois países, isso é ruim; e pior ainda seria admitir
a própria desimportância: os EUA perdendo poder econômico mundo afora; e o
Brasil na rabeira do crescimento econômico do BRICS.
Mas parece que, ao menos no decorrer dessa
década, a tendência de organização geo-política do mundo tenderá a privilegiar
a regionalização à globalização.
E nessa ótica, mesmo que o Brasil de Dilma não seja a
donzela dos sonhos de Obama e que os EUA
de Obama esteja muito longe de ser o parceiro ideal para a Dilma e sua
turma, as circunstâncias da realidade tornam a aproximação dos dois países um
caminho quase inevitável.
Mas lembrando
sugestivamente a propaganda da PEPSI: "pode ser?", afora o ranço dos brasileiros com os
"imperialistas" norte-americanos e a ignorância dos yankees sobre os
brazucas, os dois países têm mais convergências de estilo de vida e história do
que parece existir, a despeito do gigantesco hiato de renda que os separam.
Vejamos alguns pontos coincidentes:
- Os EUA surgiram a partir de 13 colônias britânicas à
beira do Atlântico e assumiram dimensões continentais papando terra dos índios
e de regiões de posse inicial da Espanha; o Brasil surgiu a partir de 15
capitanias portuguesas à beira do Atlântico e assumiram dimensões continentais
papando terra dos índios e de regiões de posse inicial da Espanha;
- Nova Iorque, especificamente Manhattan, surgiu a partir do
reposicionamento de colonizadores holandeses.... expulsos de Pernambuco;
- Os dois países dividiram por décadas a liderança
nada honrosa da escravidão. Mesmo com tal mácula histórica, tanto a sociedade
brasileira como a norte-americana tornaram-se predominantemente tolerantes e
integradoras de povos de diferentes etnias e crenças;
- São os dois maiores países do mundo com um único
idioma de união nacional (português e inglês);
- Têm base agrícola e cultura de consumo com muitas
similaridades;
Claro que uma maior integração entre Brasil e Estados
Unidos não é isenta de dificuldades e desconfianças mútuas. Mas as alternativas
são claramente menos digeríveis.
Pelo nosso lado, o Mercosul definitivamente não deu
certo. Além de ser um mercado pequeno para os padrões brasileiros, a Argentina
(principal parceira) é pródiga em chiliques e quebras de contrato; o Paraguai
ainda vive do contrabando; e o Uruguai tem população pequena.
Lá no NAFTA, os
parceiros dos EUA também não são de grande destaque: o Canadá – mesmo rico – é
um mercado sem grande densidade, enquanto o populoso México ainda se mostra um
parceiro sem sintonia cultural e socialmente instável.
Então, nas Américas, parece claro que o melhor
parceiro do Brasil é os EUA e vice-versa. E fora do nosso continente, as
diferenças de hábitos, estilos de vida e base econômica tornariam mínimas
qualquer possibilidade consistente de integração.
Isso se aplica até à Europa,
que prefere se fechar em si própria. Na África lidaríamos com sociedades
predominantemente tribais; na Ásia com civilizações milenares com orientação
filosófica e de estilo de vida completamente diferente das nossas.
Assim, voltamos à fotografia do início desse artigo.
Obama olha para Dilma com evidente apetite. Mas a nossa Patroa se mostra uma
moça pudica. Na foto não aparece, mas aposto que ela dava umas olhadelas de
canto de olho no magricela.
Se a aproximação acontecer, não será do dia para a
noite. Afinal, como comentei, os ranços e desconfianças são mútuas, mas
perfeitamente superáveis. Entretanto, não se poderá dispensar alguns ajustes
essenciais. A provável facilitação de entrada e saída de turistas nos dois
países é apenas a primeira gota derretida de um imenso iceberg.
Pelo lado do Brasil, Dilma está dando conta do recado.
As medidas encomendadas pela Patroa de forçar a redução dos juros ao
consumidor; associar claramente a necessidade de equilíbrio cambial à
remuneração dos títulos brasileiros e especulação internacional; iniciar a
desoneração fiscal de alguns produtos é um sinal inicialmente convincente de
que estamos nos preparando para adentrar em uma nova fase de maturidade
econômica, de um país que abandona a estigmatização de pobre e assume o papel
de classe média que quer encher a pança (veja os últimos indicadores de aumento
de obesidade no Brasil).
Um
parênteses: apesar de ter um governo de pouca eficácia executiva – em função de
acordos e parcerias políticas demasiadamente pesadas – o desempenho individual
de Dilma Rousseff tem se mostrado muito bom. Ela lembra o papel exercido por
Felipe Gonzales, do PSOE espanhol. Foi um líder de esquerda que,
paradoxalmente, consolidou seu país nos princípios da economia de mercado.
Já para os norte-americanos seria importante aprender
a relaxar um pouco mais e ter o prazer de usufruir da vida como seres humanos
com emoções.
Por incrível que possa parecer, “a terra da liberdade” carrega uma
pesada herança puritana, além de leis por demais fundamentalistas em favor do
individualismo. Lá, um tocar de mãos involuntário pode gerar processo de
indenização; olhar para mulher bonita também; e por aí afora.
Afora algumas encrencas naturalmente esperadas, a
eventual caminhada no sentido de uma aproximação econômica entre Brasil e EUA
geraria interessantes ganhos para os dois países... contanto que eles não tentem
nos exportar queijo cheddar e a Bárbara Streisand!
Até Breve
Eduardo Starosta
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