quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Tentando Entender a Crise Global – Parte 2: O que Aconteceu com a Riqueza do Mundo

Até o início de 2008, falar sobre a possibilidade de uma crise de dimensões globais era coisa para poucos. Não que essas pessoas fossem mais inteligentes que as outras, mas talvez um pouco corajosas por fugirem do censo comum e abordarem temas desagradáveis aos ouvidos e bolsos.
Mas em setembro daquele ano finalmente aconteceu o apocalipse do sistema financeiro mundial e de lá para cá a crise global virou assunto fácil em qualquer mesa de bar. Veja só: de estamos completando três anos de convívio com essa realidade indesejada e ainda não há sinais de que a situação vá realmente melhorar nos próximos meses, ou até em períodos mais longos, especialmente na Europa e EUA.
Diante de tanto pessimismo é bem intrigante que nenhum veículo da mídia dê destaque ao real tamanho do problema. Os assuntos preferidos nesse âmbito ficaram por conta das oscilações nas bolsas de valores e dificuldade dos governos ao redor do planeta em pagar suas contas.
Aparentemente, acompanhando as notícias, parece que o mundo ficou mais pobre; e tudo que diz respeito à economia está dando errado. Será que é verdade? Ainda bem que não. É fácil provar isso com alguns dados fornecidos pelo Banco Mundial.
A figura a seguir retrata as últimas quatro décadas do crescimento do PIB mundial. Para reforçar a memória dos esquecidos, o PIB - Produto Interno Bruto - representa tudo o que foi produzido em bens e serviços no decorrer de um ano. Por exemplo, se você tem uma loja, o PIB dela é igual ao valor das vendas menos o que foi pago em mercadorias aos fornecedores,  salário aos trabalhadores e outras despesas diretas. O conceito se aproxima da idéia de lucro bruto.

Feita a explicação, observe abaixo que com exceção de 2009 o PIB global não parou de crescer nos últimos 40 anos. Claro que em alguns dos períodos a expansão da riqueza mundial foi inferior ao crescimento da população humana do planeta, fazendo-nos ficar, proporcionalmente, mais pobres por um curto período (a recuperação veio logo depois). Isso aconteceu por duas vezes na década de 70, uma vez nos anos 80,  idem nos 90 e finalmente em uma oportunidade nesta primeira década do terceiro milênio.

Sim, a queda do PIB global em 2009 foi uma novidade, por ter sido a maior do passado recente. Mas em termos mais objetivos, especialmente considerando a reação do ano seguinte, o que parecia um infarto da economia do planeta, não se mostrou muito mais grave do que uma unha encravada.
Evolução Recente da Taxa de Crescimento do PIB Mundial

Ano
Var %
Ano
Var %
Ano
Var %
Ano
Var %
1971
4,06%
1981
2,16%
1991
1,55%
2001
1,61%
1972
5,71%
1982
0,42%
1992
2,12%
2002
1,95%
1973
6,53%
1983
2,79%
1993
1,79%
2003
2,66%
1974
1,57%
1984
4,83%
1994
3,30%
2004
4,08%
1975
0,91%
1985
3,91%
1995
2,89%
2005
3,57%
1976
4,94%
1986
3,34%
1996
3,39%
2006
4,02%
1977
4,08%
1987
3,57%
1997
3,71%
2007
3,94%
1978
4,38%
1988
4,73%
1998
2,36%
2008
1,50%
1979
4,12%
1989
3,76%
1999
3,31%
2009
-2,05%
1980
1,86%
1990
2,97%
2000
4,27%
2010
4,22%

Fonte: Banco Mundial; Elaboração: ESTPLAN
Evidentemente, não se pode minimizar demasiadamente o que aconteceu a partir de setembro de 2008. O fato é que mesmo que a riqueza global não tenha desabado conforme retratava as manchetes dos jornais mais paranóicos, em alguns aspectos, a crise está sendo bastante rigorosa, como no caso do comércio entre países (tema do próximo Escracho Geral), sistema financeiro e contas públicas de vários dos governos mais ricos do mundo.
Agora, olhando o mundo de uma maneira ainda mais panorâmica, a despeito dos problemas enfrentados na atualidade, não seria correto falar que as coisas pioraram, ou que a humanidade vem se tornando socialmente mais injusta nas últimas décadas com a aceleração do processo de globalização.

Veja que nos anos 70, EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália concentravam nada menos do que 71,13% da riqueza mundial. Em 2010, para alcançar esse mesmo percentual, deve-se acrescentar China, Índia, Brasil e Canadá. De uma forma simples, isso quer dizer descentralização da distribuição de renda do planeta, o que é positivo.

Outro dado interessante nesse mesmo sentido: em 1970, segundo o Banco Mundial, 36 países tinham renda per-capita acima de US$ 5.000 (valores com desconto da inflação). Em 2010 (já em plena crise, portanto) esse "clube dos riquinhos" chegou a 74 nações.

E para finalizar, é interessante averiguar quem está pagando os maiores ônus da crise. Aí vão dados medidos entre 2008 e 2010:
·         9 países tiveram queda do PIB per capita acima de 10%. A renda per-capita média deles (aritmética) em 2010 foi de US$ 8.201 (valores constante de 2001);
·         18 países tiveram queda do PIB per capita entre 5% e 10%. A renda per-capita média deles em 2010 foi de US$ 13.721;
·         30 países tiveram queda do PIB per capita entre 2% e 5%. A renda per-capita média deles em 2010 foi de US$ 17.331;
·         29 países tiveram queda do PIB per capita entre 0,01% e 2%. A renda per-capita média deles em 2010 foi de US$ 14.556;
·         Por fim, os 100 países que registraram crescimento do PIB per capita (qualquer percentual) entre 2008 e 2010, registraram renda per-capita média de US$ 3.135.
Isso mostra que a crise em foco foi financeira mesmo (e não de produção) e por esse motivo atingiu exatamente quem tem mais dinheiro.
Aparentemente, os países pobres sofreram menos, ou ficaram de fora da bagunça. Isso é verdade pelo menos por enquanto. O futuro está carregado de mistérios...
Na próxima postagem abordarei os efeitos da crise no comércio global.
Até breve!

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