quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O PT Balzaquiano




Certa vez, o General Montgomery foi homenageado, por sua vitória contra o alemão Rommel, na IIª Guerra Mundial.
Em seu discurso, Montgomery se gabou:
"Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói"
Churchill ouviu o discurso e  retrucou:
"Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele."


Na minha opinião Winston Churchill foi o personagem mais decisivo para a história da humanidade no século XX. E entendo que um dos seus maiores méritos e chaves do sucesso foi enxergar nele próprio uma pessoa sujeita a paixões e tentações mundanas, as quais – mais do que esconder – fazia questão de ressaltar.

Daí a grande sabedoria do Premiê britânico em reconhecer que simplesmente somos o que somos; e não o que idealizamos a respeito de nós próprios.

Talvez por conta dessa postura crítica, várias de suas frases de efeito se tornaram clássicas. Para quem estiver interessado em um resumo dessa obra, clique aqui para ser redirecionado ao site ”pensador.info”.

Mas, para essa postagem, estou interessado em uma frase falsamente atribuída à Winston Chuchill, provavelmente para valorizá-la. “Quem não foi de esquerda até os 30 anos não tem coração; quem continuou sendo depois disso, não tem cérebro”.

Dizem que, na verdade, esse foi um deboche do falecido Paulo Francis, o qual costumava ser bem ácido para desfazer as pessoas e idéias das quais não gostava.

Apesar do tom intolerante da afirmativa, ela não chega a ser totalmente absurda no contexto da história brasileira e latino-americana.

Especialmente nos anos 60, 70 e 80 quase todos os países da América do Sul foram governados por ditaduras militares explicitamente identificadas com ideologias de extrema direita (leia-se fascismo). E quase que naturalmente, quem buscava se antagonizar com a falta de liberdade de expressão da época era abrigado pelo extremo-oposto da esquerda marxista e suas centenas de ramificações.

Isso aconteceu especialmente ao nível das universidades (também em sindicatos e em menor escala no meio militar), onde a natural teorização de mundos idealizados no protegido isolamento dos campus permitiram a prosperidade de teses que, necessariamente, não se enquadram como uma luva no mundo real do dia-a-dia.

Mas o importante, na época, é que para ser considerado uma pessoa “do bem” no meio social das universidades era necessário se opor à ditadura de direita; e o caminho aparentemente mais lógico para isso seria tornar-se “um subversivo de esquerda”.

Ou seja, a disseminação do marxismo na juventude daquele tempo foi parcialmente a resposta a um grande apelo emocional por justiça, liberdade e direitos democráticos. Lógico que esse vínculo ideológico acabava gerando decorrências naturais da forma como o mundo deveria ser interpretado.

Daí, indiretamente por conta das ditaduras latino-americanas, prosperou pela geração de classe média do continente que hoje está na faixa etária entre 45 e 65 anos uma forte aversão ao capitalismo, visto como a ideologia dos déspotas e espoliadores.

Assim, tudo o que fosse favorável à livre iniciativa, à economia de mercado, passou a ser demonizado, por servir de base de apoio aos ditadores nacionais e imperialistas internacionais (mais notadamente os EUA e as multinacionais).

Explicada a questão, não vejo como condenar ou ridicularizar os jovens dos anos 60 a 80 que optaram pela associação com a esquerda. Seria mais ingenuidade ainda tentar ver os dois lados da moeda em um ambiente de repressão. A luta pela liberdade era uma necessidade e só poderia ser levada adiante na medida em que houvesse um antagonismo claro, de fácil compreensão.

E isso justifica a primeira metade da frase falsamente atribuída a Churchill (provavelmente de Paulo Francis) “Quem não foi de esquerda até os 30 anos não tem coração...”.

No final dos anos 70, em paralelo à efervescência universitária, germinava rapidamente o movimento sindical do ABC paulista (e também no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro), o qual foi extremamente hábil em associar suas demandas salariais e de direitos trabalhistas ao pensamento de esquerda das universidades (e de alguns “dinossauros” dos anos 20 e 30), com o tempero especial da crescente insatisfação da classe média brasileira, diante da estagnação que se seguiu ao fim do milagre econômico daquela década.

E foi nesse contexto histórico que nasceu o Partido dos Trabalhadores, liderados pelos então sindicalistas Lula, Olívio Dutra, José Fortunati & Cia, secundados por ideólogos da esquerda como José Dirceu, Hélio Bicudo, Tarso Genro, Eduardo Suplicy, Plínio de Arruda Sampaio, dentre outros.

Relegados a um eleitorado modesto no início dos anos 80, os petistas souberam usar primorosamente os preceitos práticos do manual da militância socialista e lograram sucesso em arregimentar crescentes contingentes para o seu lado do jogo. Isso ocorreu especialmente no âmbito da juventude da época e movimentos sindicais e sociais mais incisivos, como CUT, MST e frentes religiosas, o que – nesse último caso acaba sendo uma forte contradição com os preceitos do materialismo histórico (em outras palavras, marxista da gema não pode acreditar em Deus!).

De uma forma até rápida, o PT galgou crescente bancada nos legislativos municipais, estaduais e federal, conquistando prefeituras e governos de locais políticos importantes do país. No início, é verdade, cometeram grandes barbeiragens na condução dos executivos, mas também é verdade que, em vários casos, aprenderam com os erros e foram amadurecendo sob alguns aspectos da gestão pública. E em outros aspectos não!

Entendo que o principal mérito petista é a própria organização partidária e de sua militância. Foi essa a força motriz que os levou a conquistar por três vezes consecutivas o governo federal.

Porém, o exercício do poder tem seus custos e embates de consciência. Talvez um dos maiores seja o reconhecimento de que a prática do trato com seres humanos não foi mapeada com competência por nenhum manual, nem mesmo o marxista.

Também pudera, o bicho gente é demasiadamente complicado: somos um animal ao mesmo tempo social e individualista; entendemos as regras da sociedade e concordamos com elas até o momento em que nossos interesses pessoais sejam contrariados; somos sujeitos a mudar de opiniões conforme a conveniência do momento.

Em resumo, o ser humano é dono de uma consciência predominantemente ingovernável no sentido mais absoluto da palavra. Apenas leis punitivas colocam a sociedade nos eixos.

Nesse ponto, o capitalismo vence o socialismo de goleada em termos de reproduzir a essência humana. Afinal, o que está em jogo na economia de mercado é o conceito da não-ideologia (a esquerda chama isso de neo-liberal) em favor da multiplicação da ambição pessoal por riqueza.

Se esse movimento de caráter individualista pode beneficiar terceiros, não há restrições quanto a isso, o que acaba tornando o capitalismo imbatível em termos de desenvolvimento econômico. O empresário e mesmo o empregado produz pelo seu próprio interesse de ganhar dinheiro, enquanto nos modelos econômicos mais “solidários”, a motivação prioritária é o ganho comunitário, o que invariavelmente gera ineficiências crônicas, lembrando que, afora alguns altruístas de verdade, humano só pensa em beneficiar o próximo, se isso traz alguma compensação em proveito próprio.

E voltando a história do PT, esse reconhecimento da natureza humana, o qual está distante do ideal que as pessoas deveriam ser segundo a índole socialista, acabou gerando um forte choque de consciência daqueles universitários que hoje estão grisalhos.

Afinal, a prática confirmou a antiga profecia do compositor Belchior, de que “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. O reencontro com a antítese das certezas mobilizadoras do passado fazem parte de qualquer processo de amadurecimento, quando há a busca de harmonização. 

Neste caso, coincidentemente o PT está em plena idade balzaquiana ( a mulher de 30 anos), onde a beleza começa a se misturar com as experiências reais da vida, mandando embora a ingenuidade (daí a segunda parte da falsa frase de Churchill: ... quem tem mais de 30 anos e continua de esquerda não tem cérebro).

É de se entender que a equipe econômica de Lula não mudou as diretrizes da política monetária do governo de FHC por medo de fazer alguma porcaria; também é parcialmente compreensível a política de alianças feita pelo PT para chegar ao poder, do tipo "toda maneira de amor vale a pena".

Entretanto, o passo dado na direção de promover a privatização dos aeroportos é um fato integralmente novo, feito de livre e espontânea vontade por uma cúpula partidária que hoje reconhece a pouca capacidade da gestão pública em administrar competentemente negócios de características privadas.

Foi realmente uma criativa chacota, a ex-musa das privatizações, Elena Landau (Ex-BNDES), ter passado o título de beleza para a presidente Dilma Rousseff.

Sem maiores brincadeiras, o significado da ação de privatização é forte. O PT - na prática - rompeu com sua própria base de formação, em nome do pragmatismo da implacável realidade

Considero isso excelente e dou os parabéns aos líderes desse processo histórico.

Só falta, agora, a cúpula petista se convencer de que é bobeira defender idéias de controle da imprensa e de tentar montar uma logística na administração pública de perpetuação no poder.

Daí chegaremos à democracia realmente plena, onde os pontos de debate político passarão a ser centrados em questões objetivas, ao invés de uma seqüência intermináveis de xingamentos entre partidos políticos. Em tempo: a oposição também tem que amadurecer.

Vejo que mesmo diante de tantos escândalos ao nível dos ministérios, estamos tateando uma linha divisória na qual poderemos evoluir para um modelo de construção democrática de qualidade espanhola (sem Rei, é claro) ou regredir para a repetição dos ciclos populistas do passado à la Argentina.

Tudo depende da inteligência... ou burrice dos governantes. No primeiro caso, segue-se à decisão histórica dos aeroportos um longo caminho fiscal e administrativo ao nível da federação, estados e municípios.

Até Breve

Eduardo Starosta

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