quarta-feira, 2 de março de 2011

Intolerância Zero

Intolerância Zero
Sexta feira passada, Nicole, minha filha de dois anos e meio acordou pouco depois das 9 horas da manhã. Sozinha, tirou as fraldas encharcadas, dizendo “eu não uso mais” e logo depois perguntou:
- Papai, vamos fugir da escola e ver macacos na Redenção (parque perto do centro de Porto Alegre)?
- Claro, mas antes o pai tem que terminar um trabalho, tá?
- Tá.
O “tá” da pequena teve a contrapartida de um pandemônio: no quarto, dezenas de bichos de pelúcia espalhados por todo o canto; e na sala, o piso ficou forrado de lápis de cor, canetas e giz de cera. Mas esse foi o custo da paz, para conseguir encerrar um relatório de internacionalização do setor farmoquímico e farmacêutico.
Um pouco depois do meio dia fomos almoçar no restaurante favorito de Nicole e logo após seguimos a pé (ela no colo) para ver os macacos da Redenção no mini-zôo que lembro já existir na Redenção nos anos 60 (não precisa fazer as contas, sou pai velho mesmo). Depois de tantas décadas, o IBAMA (tipo de policia ambiental) determinou a remoção dos símios do local, pois eles estariam muito estressados por viverem próximos a duas avenidas de grande movimento, merecendo mais liberdade e tranqüilidade. Mas isso ainda não foi feito.
Chegando lá, enquanto minha filha se maravilhava com as macaquices e pássaros exóticos, eu notava duas coisas: a primeira é que as árvores ao redor do parque praticamente eliminavam o barulho das avenidas próximas. Os macacos estavam numa boa, como sempre estiveram há várias gerações! A segunda é que além da família de quatro pessoas que também admirava os animais, vinha se aproximando um grupo com cara suspeita.
Não que eu seja preconceituoso, mas qualquer pessoa com alguma vivência sabe identificar na hora que certos tipos são uma ameaça a própria segurança.
Em poucos minutos já estava fora do parque, dentro de um taxi. Nicole, meio indignada, não se convenceu muito de que iria chover (ainda bem que choveu depois), mas gostou da idéia de ir para a casa da avó e foi o caminho todo cantando a música da Chapeuzinho Vermelho.
Ao som da cantiga, lembrei da noite anterior, quando liguei para um amigo de São José dos Campos, SP, que acabara de passar pela experiência de um seqüestro relâmpago. Segundo ele, ainda bem que os bandidos foram gente boa e não ameaçaram muitas vezes de matá-lo.
Chegando no edifício em que mora a vovozinha, todo gradeado e com cerca elétrica – a região tem muitos idosos e é uma das preferidas dos assaltantes estilo lobos-maus – abri o primeiro portão com o controle remoto; usei outro controle para destravar o alarme; duas chaves para acessar o portão de entrada; e outras três para entrar no apartamento da minha precavida mamãezinha que estava meio deprimida por não sair muito de casa.
Mas por que estamos diante de tanta ameaça de violência a ponto de nos preocuparmos com a própria proteção em praticamente todas as horas do dia? Antes de tentar responder a isso, veja só que dados impressionantes foram publicados pelo estudo “O Mapa da Violência 2011”, veiculado no portal do Ministério da Justiça:
- 73,6% dos jovens (entre 15 e 24 anos) que morreram em 2008, foram “dessa para melhor” (brrrr) não por doenças, mas sim por causas externas, principalmente assassinatos;
- fora dessa faixa etária, as mortes violentas chegaram a 9,9%, o que também é preocupante;
- Alagoas é o campeão brasileiro de assassinatos de jovens, com 60,9% do total de mortes não naturais;
- Roraima é aparentemente o estado da paz. 14,3% das mortes violentas são por conta de matadores. Mas essa paz parece ser meio deprimente. Esse mesmo estado registra a maior taxa de suicídios de jovens, chegando a 13,3%. Será isso mesmo, ou estamos diante de inquéritos viciados???
- E olha essa: em 10 anos (98 a 08) o número de assassinatos aumentou 108% na Região Norte; 101,5% no Nordeste; 86,4% no Sul; e caiu 29,9% no Sudeste, especialmente no Rio e em São Paulo (MG e ES aumentou), exatamente onde a policia tem a fama de maior brutalidade ostensiva.
Espera um pouquinho: de acordo com os dados oficiais do governo, o período em questão coincidiu com grandes ganhos de renda nas populações mais pobres, seja pela melhoria da economia,  ou em função de programas assistencialistas, como o Bolsa Família. Veja que os assassinatos aumentaram justamente nas regiões mais beneficiadas com renda adicional. Sendo assim, fica quase evidente dizer que aquela história na qual a criminalidade é fruto da pobreza, tende a ser uma balela.
O negócio seguinte: o velho ditado da "ocasião faz o ladrão" parece ser a explicação mais lógica e científica para o fenômeno do aumento da violência.
Talvez por trauma da ditadura, os governantes brasileiros ao nível federal e estaduais sucatearam e desmoralizaram seus aparatos de defesa pública. São Paulo e, mais recentemente, o Rio de Janeiro reagiram a esse equívoco e obtiveram resultados práticos em termos de diminuição de assassinatos.
De resto, o sentimento de impunidade só tem aumentado e isso vem acontecendo independentemente da classe social. E não é para menos.
Lembro, ainda nos anos 90, quando adolescentes resolveram botar fogo em um índio que dormia ao relento, em Brasília. Em um certo momento, os meninos - que eram filhos de magistrados - chegaram a ser processados apenas por lesões corporais e não assassinato.
E as desculpas esfarrapadas foram evoluindo na medida em que os maus exemplos eram escancarados para a sociedade. E isso valeu não só para os crimes violentos, como também em relação a corrupções e falcatruas em geral.
Nesse ponto, uma moda que pegou para justificar tantos bandidos à solta foi a superlotação dos presídios brasileiros e a precariedade deles, impedindo que os coitadinhos dos criminosos tenham condições habitacionais  dignas, conforme foi divulgado recentemente por uma série de reportagens na rede Globo. E dentro dessa ótica é corriqueiro o policial arriscar a sua vida para prender bandido e este ser solto pela justiça por falta de vagas no sistema penitenciário.
- Daqui a pouco, um assassino flagrado em 2011 vai receber uma senha para começar a cumprir a sua pena lá em 2017, quando liberar vaga em algum presídio de segurança máxima. Até lá ele vai ficar livre pela vida para fazer o que bem entender...
E aí gente, vamos deixar de ser trouxas? Que tal a idéia de construir mais presídios? Como li recentemente num desses e-mails em massa, a areia, cimento, tijolos, grades, engenheiros e pedreiros não estão em falta no Brasil e saem muito mais barato do que várias ações menos importantes previstas no orçamento da União e dos estados.
A alternativa a isso é continuar fazendo o que fazemos: gradativamente desistir de andar livremente pelas ruas; transformar a própria casa numa jaula; e fingir que bandido é gente de respeito, sob pena de levar bala nos cornos.
Epílogo:
Algumas horas depois de fazer bagunça na casa da vovozinha, peguei meu carro que estava lá estacionado e fui buscar a mãe da Nicole no trabalho. Na volta, perto da casa dela, não pude dobrar à direita, sendo obrigado a fazer um caminho cerca de 2 km mais comprido.
Alguns instantes antes, naquela rua (José do Patrocínio), um sujeito atropelou dezenas de ciclistas. Coitadinho do motorista, devia estar um tanto quanto estressado. Tanto que uns dias depois, acabou sendo internado em uma casa de repouso. Votos de pronta recuperação para ele, pobrezinho!
Pelo meu lado, penso em contatar o IBAMA para ver se eles me conseguem uma vaga juntos com os macacos que serão removidos da Redenção para um local menos estressante.
Afinal de contas, já estamos presos mesmo! Quem é realmente livre são aqueles que estão prontos para nos matar e roubar.
Isso é o que chamo de Intolerância Zero.

Eduardo S. Starosta

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